Slhueta de costas, mostrando longas pernas, calçando sapatos de salto, ao lado de uma placa onde se lê "Mar Doce Lar"

Aceitação ou no mínimo, respeito é algo tão difícil?

by

Será tão mais difícil acolher, que atacar?

Escrevi no final de janeiro, para a intranet de minha empresa, artigo relacionado ao Dia da Visibilidade Trans. O retorno, em termos de comentários, foi majoritariamente positivo, e marcou a revelação “oficial” no trabalho, da minha identidade de pessoa trans não binária.

Como ainda é muito comum, os sistemas da empresa ainda exibem em correio eletrônico, intranet e afins, nossos nomes de registro. Por uma questão de coerência tive a possibilidade de me identificar com este nome que me representa muito mais, e pelo qual tenho mais reconhecimento hoje.
Pela política da casa, entretanto, o nome de registro fica aposto, para “que seja possível localizar o autor no sistema de comunicação interno e correio eletrônico”.

O artigo versa justamente sobre a importância do respeito à identidade de gênero e ao nome social, de clientes e colegas, pelos vieses de empatia, ética e criação de bom ambiente, inclusive com a devida referência aos benefícios para o negócio.

Mesmo comemorando a maioria de comentários positivos — inclusive descontados aqueles de colegas do mesmo setor (gratidão, pessoas!) — , e reconhecendo aqueles neutros e os poucos negativos, um destes últimos se destacou muito, pela total falta de empatia e por exprimir exatamente o oposto do que eu indicava no artigo.
Incomoda, além disso, por ser direcionado a mim e à minha identidade:

“É delicado falar disso por aqui. A suscetibilidade de quem passa por essas situações (não necessariamente por fraqueza, maldade ou falta de boa educação) em geral é mais aguda e latente.
Contudo, arrisco [meu nome de registro], aceite-se. Aceite, com coragem e honestidade, o homem que você é. E não confunda os demais. Não há vítimas. Há desorientação.”

No artigo, dou exemplos de pessoas com identidades de gênero incongruentes com seus documentos, e modos de agir e tratar essas pessoas com tranquilidade, sem alarde e o máximo de respeito.
Mas como podem ler, o colega da empresa, em seu comentário, conseguiu:

  • Culpabilizar as pessoas trans (“não confunda os demais”);

  • Desrespeitar minha identidade (“Aceite”…”o homem que você é”);

  • Desrespeitar meu nome social;

  • Negar a existência de responsabilidade das pessoas cisgêneras (“Não há vítimas”);

  • Negar as identidades das pessoas trans (“Há desorientação”);

  • Vitimização — apesar de dizer que não há vítimas — das pessoas cisgêneras (“A suscetibilidade”…”mais aguda e latente”).

Uma rápida pesquisa nas redes sociais, mostram que o colega dá a entender, pelos seus compartilhamentos públicos, pertencer a uma crença que pelo que sei prega amor, acolhimento, perdão, compreensão, mas que infelizmente conta com membros e simpatizantes que muitas vezes defendem o contrário, como atos ou discursos homofóbicos e transfóbicos (caso do comentário, um exemplo claro transfobia em toda a sua falta de glória).
Pena que tantas pessoas dessas religiões de paz façam isso, mas tenho a felicidade de conhecer bastante gente dessas crenças que não compactuam com estas condutas e são muito acolhedoras

Porque é tão difícil aceitar a diferença? E ainda mais respeitar?
Diz-se que ninguém é obrigado a aceitar nada, apenas a respeitar.

Discordo.

Tratando-se de pessoas, somos sim, obrigadas a aceitar que todas existem, com todos os nuances, semelhanças, diferenças e diversidades.
Afinal, somos todas pessoas humanas.

Se temos que aceitar, não necessitamos conviver de forma próxima ou íntima, para mais que necessidades sociais ou de trabalho nos obrigam (pessoalmente, prefiro ficar o mais distante possível de pessoas intolerantes), mas ainda temos que respeitar as pessoas, todas elas.
Por exemplo: pesquisei por este colega apenas para escrever estas linhas, e em respeito a essa pessoa humana, pretendo manter distância. Sua postura em suas palavras, pode ter sido desrespeitosa, mas não há motivo algum para me impor e “confundir os outros” (ele mesmo?), como ele escreve.

Pretendia originalmente adaptar e expandir o artigo da intranet para público geral, o que seria simples já que não havia nenhuma informação específica da empresa. Mas ao reler aquelas linhas, percebi que precisava dizer algo sobre aquele comentário em especial.

Mas dito isso, para terminar em boa nota, deixo aqui outros dois comentários, dentre aqueles positivos, um deixado por colega com quem trabalho direta e diariamente ,e outro por pessoa de outra área/estado e que não conheço.

Nem tudo está pedido

“Muito interessante o seu artigo por nos esclarecer e auxiliar a ter uma visão livre de discriminação. É muito importante que esse tema seja cada vez mais debatido e é ótimo saber que cada um de nós pode contribuir às vezes com pequenas atitudes, que irão refletir nosso respeito e acolhimento a todas as pessoas. Parabéns!”

“Muito bom texto! Mar, conviver com você fez com que meu olhar para essas questões ficasse muito mais apurado! Parabéns à [nome da área], que mesmo com grande fluxo de demandas , encontra tempo para reconhecer seus empregados e se preocupar com cada um deles! Orgulho de pertencer a esta equipe e ter Mar como colega!”