Slhueta de costas, mostrando longas pernas, calçando sapatos de salto, ao lado de uma placa onde se lê "Mar Doce Lar"

(Des)Complicando a Tia #3

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Me TRANSformando: Brincadeiras Quando Criança

Em criança, nos anos 1970 e início dos 1980, era filha única, de pais separados e vivia com minha mãe, que trabalhava em mais de um emprego. Era um tanto introvertida.

Poderia ser dito que eu fui uma criança nerd, devorando quadrinhos, e com o tempo, livros e mesmo enciclopédias. Tinha colegas? Sim, parecidos comigo em personalidade…

Naquela época, tinha minhas heroínas e heróis (e vilãs e vilões) de predileção, de quadrinhos, filmes e desenhos. Como é de se esperar, pela minha disposição - e necessidade - de ficar bastante tempo só, brincava muitas vezes solitariamente (e algumas vezes com os “coleguinhas” que visitavam ou eu visitava) de ser essas personagens.

Eu gostava de Capitão Marvel (da DC, atual Shazam), Batman, Superman e Mulher Maravilha, por exemplo…

Mas, na hora de brincar, preferia fazer o papel delas:

Esquerda, de cima pra baixo: Mulher Maravilha e Batgirl
Ao centro: Poderosa
Direita, de cima pra baixa: Supergirl e Mary Shazam

Essas personagens, nos quadrinhos DC daquela época (publicados no Brasil pela saudosa EBAL), começavam a serem mais que simples versões femininas dos personagens principais - embora a Mulher Maravilha sempre tenha sido singular, por não o ser - e se tornarem indivíduos com suas próprias histórias e narrativas, desacopladas daquelas dos personagens (homens) originais.

O que acontecia era eu que eu me identificava com elas, não com eles (Superman, Batman e tal).

Outra coisa que a pequena autora em formação fazia, era criar heroínas, nas quais o protagonista se transformava.

Essa temática, do “homem comum” que se transforma numa heroína (“mulher poderosa“), me acompanhou em rascunhos (hoje perdidos) por muitos anos, adolescência adentro, e foi uma das coisas sobre as quais refleti até me perceber pessoa trans e depois, não binária transfeminina.

Aqui cabe um parênteses: tendo crescido nos anos 1970 e 1980, as concepções de “não binaridade” não existiam. Se eu não me sentia pertencendo ao gênero “Homem”, só podia pertencer ao gênero “Mulher” e ser, portanto, transexual, termo então vigente e de origem médica. Aliás, na época se usava “homem transexual” para indicar a identidade atual “mulher trans”, deixando evidente a normalização do genitalismo binarista, e a natureza clínica do termo transexualismo, que era considerado uma doença mental.

De toda forma, essas brincadeiras, foram importantes para, mesmo quando sozinha, expressar em ambiente seguro, a forma como eu me reconhecia, que nunca foi de “menino”…


Uma versão rudimentar deste texto foi postada, originalmente, em um blog meu em Junho de 2014.