Slhueta de costas, mostrando longas pernas, calçando sapatos de salto, ao lado de uma placa onde se lê "Mar Doce Lar"

Expressão, identidade e leitura social de gênero

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Assim como a maioria das pessoas cisgêneras (inclusive muitas não-hétero), tem dificuldade — por questões históricas e culturais — em diferenciar sexualidade e identidade de gênero, mais complicado ainda é perceber os nuances de expressão e identidade de gênero.

Assim como as identidades de gênero das pessoas não necessariamente alinham-se com os dois gêneros normativos e designados ao nascer, baseados única e exclusivamente na aparência externa dos genitais, podendo ser opostas ao designado, ou uma infinidade de nuances entre os gêneros normativos — ou além destes, também as formas de expressão são variadas.

O curioso é que embora possamos observar, nas ruas, na mídia, em todo lugar, pessoas se expressando — por roupas, maquiagem, acessórios, linguagem corporal, etc. — de forma mais diversa, ainda insistimos em enquadrar pessoas nos pacotes homem/mulher por padrões pressupostos ditos “masculinos” e “femininos”, respectivamente.

Aliamos características sexuais secundárias — que não são exclusivas de, apenas mais comumente alinhadas a indivíduos com um ou outro sistema reprodutivo — a gestuais e roupas para classificar as pessoas. Isso é a leitura social cotidiana. Baseada em construções sociais e senso comum.

Dia desses, em uma reunião lúdico-ativista, contando com mulheres cis e duas pessoas não-binárias designadas a gêneros diferentes ao nascer (obviamente, eu era uma dessas não binárias), eu falava sobre essas questões de identidade e expressão, e os motivos pelos quais minha expressão é como é. Falava como em geral a leitura social que fazem de mim é de “homem”, e uma das amigas cis me diz algo parecido com:

“Você vai me desculpar, Mar, mas olho pra você e vejo uma mulher… com um quê andrógino, mas mulher.”

O que me colocou para pensar sobre como a leitura social em relação a pessoas não-binárias com fluidez de gênero (como eu) pode ser variável, em relação ao momento, observador e (pré)conceitos deste. E também o momento em que o observador te conheceu.

Só para contextualizar, nesta reunião, estava eu essencialmente com o mesmo estilo e apresentação que uso 99% do tempo.

As pessoas mais antigas no meu setor, no trabalho, me leem como “homem” e mesmo eu já tendo saído do armário lá — com aceitação, acolhimento ou, no mínimo, respeito — com certeza, ainda sentem assim. Mas nas ruas, dependendo do momento, muitas vezes, sinto olhares confusos.

Emulamos estilos, fala e linguagem corporal prevalentes na sociedade. São os modelos existentes, praticamente inescapáveis, ao menos em parte. Podemos e devemos questionar e ressignificar tais modelos, mas crescemos imersos neles.

Todo este texto marca o início de uma reflexão pessoal, sobre como nossas expressões sociais se constroem. No meu caso, construí e ainda modelo meu estilo e apresentação social pessoais, mas os nuances de modo/ritmo de fala, linguagem corporal por exemplo, são da forma que me vem em qualquer situação, sem interferência consciente.

Gostaria de comentários de pessoas com fluidez de gênero, sobre essas questões. Como se sentem, e encaram isso.


Nota da Autora: Este texto reflete minhas percepções e vivências de gênero, na época em que foi escrito, que foram se alterando com o passar dos anos. Trata-se, portanto, de um recorte.