“Fulana é biologicamente mulher.“
Onde está o erro?
“Ué? Tem erro aí, Mar? Não tô entendendo…“
Calma, padawan.
A Tia explica…
De vez em quando vejo pessoas usando essa construção, muitas vezes sem intenções vis. Mas isso não faz com que seja correta.
“Ah, mas se a pessoa não está de má intenção, não tem problema, não é?“
Veja bem, não há problema em princípio, mas como a linguagem que utilizamos é uma das formas mais importantes de perpetuação de conceitos na sociedade — mas também de consolidar mudanças — é sim, importante pontuar “jeitos de falar” e “modo de dizer” que possam perpetuar ideias LGBTfóbicas. Entende?
“Hummm. Sim, tô entendendo.”
Então, tecnicamente, a frase está incorreta.
Biologicamente falando, a espécie humana (Homo sapiens) tem reprodução sexuada, sendo necessários - em condições naturais (sem interferência médica) - dois indivíduos com aparelhos reprodutores compatíveis.
O que significa que a maioria das pessoas será (biologicamente) macho ou fêmea da espécie. Digo maioria, porque as pessoas intersexo existem.
“Nossa! Faz sentido…“
Nao é? No Brasil, não usamos “macho” e “fêmea” em relação à pessoas, para designar o sexo biológico.
“Ah, mas discursos machistas usam… “
Sim, erradamente, como sinônimo de “homem”. Prosseguindo, padawan… Como não usamos aqueles termos, usamos “masculino” e “feminino”.
E o problema só piora, porque assim associamos sexo (biológico) e gênero (social). Sem contar com o apagamento das pessoas intersexo, que, aliás, muitas vezes são “corrigidas” ainda bebês, pelos médicos para se enquadrarem no padrão binário. E isso baseando-se em observações superficiais…
“Isso é bem verdade. Dão uma olhada e já dizem que é menino ou menina, ou no caso das intersexo, já querem logo fazer cirurgia. Aliás, acho graça desse pessoal que diz que só existe XX e XY, e que são XY (normalmente são homens). Como se todo ser humano fizesse exame de cariótipo! Esse negócio é caro.”
É, esse povo deve achar que a biologia da escola é o todo o conteúdo na área.
Mas e aí padawan, me diga o que aprendemos…
“Que ninguém é biologicamente homem ou mulher, na melhor das hipóteses, é macho ou fêmea da espécie. Mas usamos sexo masculino ou feminino para descrever pessoas, usualmente, e nesse caso, esses sexos não podem ser tomados como sinônimos de Homem e Mulher, que são gêneros, cujas características são construidas pelas sociedades, embora 'inspiradas’ no sexo biológico.”
Muito bem! Muito orgulho de ti…
A língua, o discurso, é muito importante e não há falta de exemplos em que foi manipulada para os fins de governos autoritários ou totalitários. Recentemente uma certa expressão foi cunhada exclusivamente para fins transfóbicos. Da mesma forma, a preservação desses “modos de dizer” permitem a continuidade de “modos de pensar” antiquados e perniciosos.
A frase, tipicamente usada no trânsito, “tinha que ser mulher”, por exemplo, perpetua o mito de que mulheres não são boas motoristas, algo que estatísticas já demonstraram que não é fato. Por outro lado, ressignificar a frase “lutar como uma mulher“ é ótimo exemplo de como subverter algo até então pejorativo.
Da mesma forma, desencorajar usos que não servem mais para descrever a realidade factual, é algo importante.
E considero que isso é Fazer A Coisa Certa®.