Identidade e Expressão de Gênero (Por uma Pessoa Trans Não Binária)
Devagar (muito devagar, na verdade. Devagar demais) as pessoas vão sabendo acerca das diferenças entre Sexualidade e Identidade de Gênero. Já é possível encontrar mais pessoas que tem uma noção de que são conceitos diferentes, mesmo que ainda não compreendam totalmente (em muitos casos, nem parcialmente).
Vale notar que há muitas pessoas com sexualidades não normativas não tem essa compreensão, e quando estas fazem parte de grupos ativistas, por vezes professam suas atividades com preconceitos arraigados.
Mas, esse texto tem um foco mais informativo, e menos ativista. E principalmente, tem foco pessoal, porque todas as narrativas são válidas, e existem tantas histórias quanto pessoas, com muito em comum, mas também com muitas questões muito pessoais.
De um modo geral, hoje em dia, usamos o termo “trans” como guarda-chuva para todas as identidades de gênero não normativas (leia-se, não alinhadas com a designação que o médico presente ao parto e a sociedade a partir daí definiram).
Temos as identidades binárias mais conhecidas, ditas opostas à designação ao nascer (homem trans, mulher trans e travesti), mas também temos um leque imenso de identidades que combinam, fluem, substituem, acrescentam ou rejeitam todo ou parte do padrão binário de gênero: homem/mulher.
Minha Identidade de Gênero não se conforma com o binário. Não consigo me perceber — não totalmente — como “homem” nem como “mulher“, em nenhum momento particular. Ideal e racionalmente, preferia não ter que me enquadrar, mas como esses pólos são parte do conjunto de comportamentos e relações interpessoais que conhecemos desde o nascimento, posso dizer até para que me entendam, que minha identidade de gênero, flui não entre “homem” e “mulher”, mas em torno de um indefinido ponto central, por vezes aproximando-se dos “pólos convencionais” em momentos diferentes, ocasiões e em relação a pessoas diferentes. Mas posso afirmar que nunca se aproxima muito do pólo convencional "homem". Algumas pessoas não binárias que se sentem da mesma forma, enquanto outras, de forma bem diversa…
Em termos de auto percepção, sinto disforia de corpo — desde sempre. Já foi intensa e sofrida, mas não mais hoje em dia. Digamos que agora, sinto que meu corpo poderia/deveria ser andrógino, com certas características masculinas e outras femininas, mas não tenho nenhum impulso ou necessidade de alterar forma e funções genitais “de fábrica“.
Algumas pessoas não binárias com quem tenho/tive contato sentem necessidade de fazer alterações extensas, comparáveis à necessidade de transição das pessoas trans binárias popularmente ditas “em corpo errado” (só que se sinto disforia em relação a meu corpo, então ele não seria “errado” também? #sqn)
Quanto à minha expressão social de gênero, também sinto disforia. Em alguns pontos, como posicionamento e linguagem corporal, me alinho mais com o “feminino“, e daí é até fácil. Mas tem a questão das roupas… Nessa questão, a disforia ainda bate forte, mas não mais com sofrimento. Acabei tomando para mim um look bem neutro, no sentido em que calça jeans, camisa de malha e tênis são uma das maiores expressões do “Unissex” na sociedade ocidental.
Pessoalmente, eu preferia expressar-me com mais liberdade para combinar peças sem restrições. Mas até o momento, me dei a liberdade de usar jeans comprados nas seções ditas “femininas” (Roupa tem gênero?). Há outras pessoas não binárias que se relacionam de forma similar quanto à sua expressão social pública, enquanto outras sentem necessidade de serem mais radicais em suas escolhas de vestuário, sendo mais “opostas ao socialmente esperado“. Algumas se sentem bem expressando-se em conformidade com a expectativa social.
E ainda existem pessoas muito confortáveis com uma identidade cisgênera e heterossexual, mas que ainda assim tem forte necessidade de expressar-se fora/além dos padrões sociais de homem/mulher…
O que todos esses nuances dizem?
Que no final, cada um tem (direito) a sua Identidade própria (não somos indivíduos?) e Expressão individual. E isso não só nada tem a ver com o outro, como não pode ser regulada/controlada/policiada pelo outro.
N.A.: Texto editado e revisado em 18/10/2023. É um texto "datado", no sentido de ser a minha voz, na época da postagem original. A maior parte dele ainda me faz sentido, de alguma forma, menos a parte que "risquei".