Não binária e #sapatrans, como assim?
Visibilidade Trans 2018
Algumas pessoas que me seguem perceberam que apesar de me declarar Pessoa Não Binária, nas minhas redes sociais, é comum surgirem imagens minhas acompanhadas de hashtags como #sapatrans ou #transfeminina.
“- Mar, eu entendi que orientação sexual e identidade de gênero são coisas diferentes e não necessariamente alinhadas. Já estou me acostumando com isso de pessoas não binárias. Mas assim, você confunde demais minha cabeça! Se você é Pessoa Não Binária e isso significa não se identificar com os gêneros Homem e Mulher, ou apenas parcialmente com um deles ou ambos, como pode ser lésbica?”
Calma, calma… não se desespere!
Primeiro ponto, não convém esquecermos que além dos gêneros serem definidos de forma binária e opostas/complementares (mas com clara hierarquia), baseadas nos aparelhos reprodutores externos, as sexualidades também o são. Assim, se definiram originalmente heterossexualidade, homossexualidade e mesmo a bissexualidade.
Com o entendimento de que os gêneros têm características mais ligadas à construções sociais do que biológicas, as sexualidades se ressignificam para abstrair os genitais. Assim, uma mulher trans que sente atração exclusiva por outras mulheres (por feminilidades e mulheridades), independente da situação dos genitais de quaisquer delas, é uma mulher (trans) homossexual. Da mesma forma, um homem trans que sinta atração exclusiva por outros homens, é homossexual.
Ou, para usar os termos identitários: homens trans podem ser gays e mulheres trans podem ser lésbicas. Ou bi.
Acompanhando até agora?
“- Acho que sim, Mar. Ser gay, lésbica, bi não depende dos genitais, e sim da identidade de gênero. Faz sentido abstrair os genitais. Conheci uma mulher trans que sempre namorou mulheres. Eventualmente ela fez a cirurgia de confirmação sexual e continuou saindo com meninas.”
Isso mesmo, boa lembrança…
Segundo ponto, Pessoas Não Binárias são aquelas que existem fora do binário de gênero. Nós não nos enquadramos e não nos identificamos, parcial ou plenamente com eles.
É minha opinião que — principalmente na Internet anglófona — há um tanto de exagero nas denominações, mas não discordo que há muitas formas de vivenciar a não binaridade de gênero. O importante é entender que na nossa sociedade ocidental ¨eurodefinida¨, não há signos que nós que não nos enquadram os no binário de gênero possamos nos utilizar, inclusive em questões afetivo-sexuais.
Assim, temos que reutilizar e ressignificar o que existe, signos de milênios de sociedade binarista de gênero.
“- Hummm. Acho que estou começando a ver aonde você quer chegar, Mar. Em um outro texto, lembro que você escreveu que é comum pessoas não binárias, de alguma forma aceitarem melhor o gênero oposto — no binário — ao que foi designado ao nascer. Tem a ver?”
Tem sim, padawan!
É uma reação natural, já que somos continuamente compelidas a nos enquadrarmos nas regras, padrões e modelos do gênero imposto. E como não temos signos do “intermediário”, procuramos nos afastar do gênero imposto, mesmo sem se identificar — plenamente — com o outro gênero.
Correção: até temos signos de androginia: pessoa magra, com pele branca, cabelos curtos e traços finos. Na verdade a androginia se parece com uma mulher branca caucasiana, magra e de cabelos curtos.
Assim, por qualquer processo individual, pessoas não binárias podem se sentir, emocionalmente mais próximas de um ou outro gênero do binário em determinadas situações e contextos.
Falando agora de mim, especificamente, por questão de legitimidade. Eu sinto atração afetiva/sexual/romântica primariamente por mulheres e mulheridades. Mas quando estou sentindo esta atração, me sinto também mais perto, internamente, da mulheridade em mim.
“- Entendi! Literalmente, você quando ama uma mulher, se percebe como uma. Então usar o #sapatrans realmente faz sentido! Mas você não usa a identidade lésbica…”
Pois é. Não uso, porque, na maior parte do tempo, não me identifico como mulher, e daí entendo que estaria me apropriando de espaço político que não é meu. Mas, ocasionalmente em conversa informal, até uso, com as devidas ressalvas.
É aí que entram a hashtag (sapatrans) e o qualificador “transfeminina” que utilizo nos meus perfis de rede social. Uma pessoa transfeminina pode ser entendida — dentre outras formas — como uma pessoa trans que é alinhada com as feminilidades e com as mulheres. Quanto à hashtag, a utilizo de forma geral quando me apresentando de uma forma a expressar mais signos e atributos de mulheridade. Pontua a sexualidade que a imagem estática e solitária não pode indicar.
Imagem e hashtag apostas dizem: “se você está enxergando uma mulher trans ou travesti, entenda que ela é sapa”
E então, pessoas, a fictícia padawan entendeu. E vocês?
Este é meu artigo comemorativo do Dia da Visibilidade Trans, para 2018. Comemorativo, entretanto, é um termo amplo.
Temos avanços, e algumas decisões de organismos internacionais dos quais o Brasil faz parte, talvez tragam melhorias, mas em 2017, segundo dados da ANTRA — Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, foram assassinadas 179 pessoas trans em crimes de ódio, ainda mantendo o Brasil no topo do ranking dos países que mais matam pessoas LGBTQI em geral e trans em particular.