Slhueta de costas, mostrando longas pernas, calçando sapatos de salto, ao lado de uma placa onde se lê "Mar Doce Lar"

Não binária e #sapatrans, como assim? #3

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Uma Identidade Transfeminina

O processo de autodefinição de nossa(s) identidade(s) é muito pessoal, e tende a ser muito difícil e traumático.

“- Como assim, Mar?“

Está disparando rápido, padawan! Gosto assim… Mas calma que a Tia explica.

Conforme crescemos e vamos nos expondo aos membros da família, parentes, amigos, colegas e sociedade em geral vamos observando, assimilando e assumindo papéis e performances que tanto dependem de nossas escolhas, quanto das expectativas do outro.

O processo de identificação com cada aspecto desse mundo humano que nossa espécie vem criando pelos milênios, é individual e interno, mas informado pelos elementos da sociedade.

“- Você quer dizer que, no final, a gente tende a se identificar e se expressar, partindo de padrões que já existem e nos são ensinados pela sociedade? Aliás, me lembro de você escrevendo sobre expressões em um texto mais antigo… “

Exatamente, e bem lembrado. O tal texto é esse:

Contextos
Expressão, identidade e leitura social de gênero
Assim como a maioria das pessoas cisgêneras (inclusive muitas não-hétero), tem dificuldade — por questões históricas e culturais — em diferenciar sexualidade e identidade de gênero, mais complicado ainda é perceber os nuances de expressão e identidade de gênero…
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Mas uma consequência disso, é que a sociedade “espera” que cada pessoa viva sua existência dentro de certos padrões e corresponda a certas expectativas. Por isso, olhar para si e definir sua própria identidade pode ser bem difícil.

E não falo apenas de questões identitárias de gênero ou sexualidade, que sabidamente são complicadas. A simples fuga de padrões estereotipados, pode criar situações difíceis na vida.

“- Acho que entendi. Me lembro de que você comentou nas sua redes sociais que teve problemas com colegas porque nunca assiste futebol, nem tem time. Ou seja, foge do que é esperado do “brasileiro“, do “carioca”. É isso?“

Você me segue há um bom tempo, hein? Enfim, sim, é um exemplo.

Minhas identidades e expressões sempre foram fora da curva — ou quase sempre. Minha identidade de gênero veio sendo construída desde o final da infância e passou por muitas fases, com a única certeza de que eu não pertencia ao gênero que me designaram ao nascer.

Sempre que me informava mais sobre gêneros e suas identidades e conseguia olhar para mim e dialogar meu íntimo com o mundo com clareza — algo muito duro, sofrido — me descontruía e reconstruía…

O que me trouxe, já há alguns anos ao entendimento de ser pessoa não binária. E em tempos mais recentes — nem um ano atrás — perceber que há em mim uma experiência, uma vivência do feminino, que é bem importante.

Na comunidade anglófona, um termo que me contempla é “demigirl/demiwoman”, que significa uma pessoa não binária que se identifica parcialmente como mulher, e parcialmente como algum outro gênero não binário (que pode ou não ser denominado). Como as traduções óbvias para o português ensejam piadas misóginas/homofóbicas, prefiro usar o termo “transfeminina”, usado como identidade não binária, para o mesmo fim.

“- Eu olhei em alguns sites e vi que “transfeminina” ou “transfeminine”, no inglês, são também termos guarda-chuva que podem incluir mulheres trans ou travestis.“

É verdade, mas também é uma identidade em si. No meu caso, como escrevi em outro texto, me descreve como uma pessoa não binária com importantes alinhamentos com as mulheridades.

“- Eu li também que tanto o “demigender” gringo, quanto a identidade transfeminina nada tem a ver com o gênero que foi designado à pessoa.”

Realmente, padawan. Uma pessoa designada mulher pode se identificar como pessoa não binária transfeminina.