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2017
Três meses como Garota de Programas

Esse texto é uma sequência deste outro, publicado em 2016:
Naquela ocasião, em 2003, fui abordada por um homem que oferecia bancar partes da minha vida (aluguel, estética, academia, silicone, vestuário), em troca de sexo, possivelmente não apenas com ele — sempre tem os amigos…
Acreditava então, e ainda creio, que atividade indigna é aquela a qual você se sujeita por falta de opção. Ou melhor, indigno é colocar seres humanos em posição de ter que seguir em nichos de atividades com poucas possibilidades de sair daquele nicho.
Algo que a sociedade faz com mulheres trans e travestis, incidentalmente, impelindo-as para a prostituição…
O texto anterior termina com vários questionamentos, que permanecem sem resposta, pois não vivi aquela experiência, na época.
Mas há alguns anos, me encontrei em uma situação (a proverbial guinada na vida) onde mesmo mantendo o mesmo emprego formal, fiquei em situação financeira bastante delicada…
Fiz uma campanha (“vaquinha”) online, e a rede de apoio se fez presente nela, mas mesmo assim, a necessidade de complemento do orçamento era urgente.
Entrei aqui no Medium para rascunhar meus pensamentos — mesmo que não fosse publicar, e esbarrei no texto de 2016, então um dos mais recentes, e comecei a pensar…
“Será uma opção, trabalhar um tempo como GP — garota de programa? Ou estou sendo impelida a isso, por falta de opções? Como vou me sentir?”
Cheguei rápido à conclusão que eu tinha outras opções, mas que se funcionasse, seria um complemento rápido e limpo, sem taxas e juros. A única taxa seria a emocional, se houvesse, ou seja como eu iria me sentir… Entendi que só ia saber encarando o primeiro programa e partindo daí.
Parti para pesquisar o mercado no nicho que eu queria entrar. Não iria para as ruas, por conta de minha ansiedade social, portanto fui atrás dos sites de acompanhantes “transex” (não curto o termo, mas era, não sei se ainda é, termo corrente para mulheres trans/travestis nesta atividade).
Não demorei mais do que uma semana para ter alguns anúncios, sendo que não tinha muito dinheiro para investir, logo foram anúncios e postagens em fóruns especializados e gratuitos e de pouco custo. Talvez o maior custo tenha sido a segunda linha de celular para ter um perfil de mensagens exclusivo.
Nasceu aí, L. S., GP transex.
E veio o primeiro contato, que se tornou o primeiro cliente. Fui ao encontro dele (atendimento em motel) com a ansiedade em alta, mas na hora tudo transcorreu… tranquilamente.
Não sou muito boa sob pressão mas, do contato e negociação virtual, passando pelo encontro presencial, a prestação do serviço combinado e o encerramento (inclusive contato pós serviço — recebi elogio, cliente por indicação e novo programa de cliente “satisfeito”), tudo ocorreu sem traumas ou violências…
Respondida a pergunta sobre como me sentiria (sem ressacas morais, o que seria estranho para mim), coloquei mais anúncios, investi no material de trabalho, no caso, na aparência, e segui na atividade.
Não é a proposta deste texto contar detalhes dos atendimentos, então basta dizer que minha experiência como garota de programa, durante três meses, foi um sucesso, no sentido de complementar o orçamento naquele momento (pagou boletos e contas essenciais nos dois primeiros meses) e no último mês pagou pelo menos uma coisa não essencial.
O trabalho como GP também foi um sucesso no sentido de que nenhum de meus clientes foi problemático (embora alguns contatos, devidamente cortados e bloqueados, foram).
Na época, eu tinha 48 anos (mas como L.S. tinha 38. Tudo em nome da competitividade) e um dos motivos para parar era puro e simples, preparo físico. Teria no mínimo que fazer academia, ambiente que não era muito acolhedor de pessoas trans — para não dizer ambiente hostil, tanto para condicionamento físico, como para manter o corpão “competitivo”. Imagino que nada tenha mudado.
Uma pessoa da minha rede de afetos, que acompanhou o período e o processo, já me perguntou se eu voltaria a fazer programas. Minha resposta foi e ainda é a mesma:
Em teoria, sim.
Se eu decidisse, novamente, que seria a melhor atividade para complementar o orçamento, como foi naquela época, consideraria tirar L.S. da aposentadoria.
Na prática, hoje, cinco anos depois, a questão do corpo “competitivo” e condicionamento físico para aguentar o tranco (ou trancos?) é ainda mais importante…
Ou seja, nada contra, mas é improvável.
L.S. poderia ouvir o chamado e estar pronta a agir, mas o corpo da Tia, não estaria à altura, considerando a resistência física.

“Mas, Tia, você se identifica como lésbica/sáfica. Mas pelo que entendi, você atendia homens cis? Como foi isso?”
Então… Não é algo inédito, mulheres cis/trans/travestis que trabalhem como profissionais do sexo atendendo homens cis, terem orientação sexual direcionada à mulheres e pessoas transfemininas.
A primeira coisa a ser entendida é que fazer programas é trabalho, não prazer (embora existam relatos de trabalhadoras sexuais que encontram prazer em certos atendimentos e com certos clientes, nunca foi minha experiência). E creio que é a experiência de grande parte da população, trabalhar em algo que não se gosta e aprender a apreciar alguns aspectos para suportar, mesmo que seja apenas o dia do pagamento.
Ou no meu caso, o momento em que o cliente pagava. Se tinha algum prazer/satisfação, era nessa hora.
De resto, praticava a mesma abstração e distanciamento que usei em algumas outras atividades profissionais em minha vida, bem executadas, mas sem gosto (ou gozo).
E essas são as lembranças e considerações acerca da minha breve experiência, personalíssima, atuando como GP.
Desnecessários maiores detalhes, incluindo o nome de guerra que usei na época, bastam as suas iniciais (que podem nem ser as corretas, só pra constar), pois prefiro manter algumas informações privadas.
Também desnecessários, como disse acima, relatar os atendimentos em si, pois nada acrescentaria ao objetivo do texto, tão somente de apresentar um relato pessoal de alguém que escolheu ser GP por algum tempo, em certo momento da vida.